Por que fanboys agem como babacas
O que não é nem remotamente agradável, porém, é quando essa paixão se transforma em algo sombrio e cruel. Quando alguns babacas criam clubinhos de apaixonados por um console X ou Y e reagem com violência contra todos os outros ao seu redor. O fanboy moderno é muitas vezes um cara ofensivo, tacanho, virulento e impressionantemente insensato que distribui insultos e teorias da conspiração em discussões selvagens no Twitter e nos comentários de sites, assediando e insultando as pessoas, envenenando as discussões com o seu ódio. Esse fenômeno tem deformado a definição de “fanboy” ao longo dos anos de “super fã apaixonado” para “total idiota na internet”. Eles deixaram de ser pessoas cativantes e se transformaram em pessoas odiáveis.
Eu sou fascinada com as razões que levam as pessoas a se comportar desta maneira: em primeiro lugar, a psicologia por trás das profundas e irracionais ligações que as pessoas criam com marcas e produtos que não têm absolutamente nenhuma relação com essas pessoas. Em segundo lugar, os motivos que fazem uma pessoa ser tão radical sobre o assunto. Quer dizer, eu cresci uma fangirl – eu era uma “criança Nintendo” por completo, e como resultado eu tenho uma profunda ligação com os jogos da Nintendo. Essa ligação provavelmente vai durar por toda a minha vida, mas meus tempos de fangirl terminaram por volta da mesma época em que eu parei de brincar de polícia e ladrão no parquinho. Por que é que essa característica parece persistir em algumas pessoas bem depois da adolescência e ao longo da vida adulta?
Dr. David Lewis-Hodgson foi um psicólogo clínico por muitos anos. Agora ele é o diretor de pesquisas da Mindlab International e autor de The Brain Sell, um livro sobre como o marketing manipula nossas mentes. Eu pensei que ele poderia ser capaz de dar alguns insights sobre as motivações psicológicas por trás dos fanboys, e também sobre a forma como as marcas envolvidas podem atrair essas pessoas. O que eu aprendi com a nossa conversa realmente me ajudou a entender as motivações de um fanboy, bem como o desconforto mais geral que tantas vezes toma conta da internet.
Marcas usam truques psicológicos para fazer com que você goste mais dos produtos
Isso é algo que eu acho que a maioria de nós já sabíamos, mas o Dr. Lewis acredita que este é um dos maiores segredos de empresas como a Apple, que conseguem transformar as pessoas que compraram um produto em pessoas que são vidradas nesse produtos e querem que todo mundo também os compre.
“Isso tem a ver com a maneira em que a marca foi estabelecida, comercializada e administrada. Muitas vezes, a marca se torna maior do que o produto”, diz ele. “Veja a Apple, por exemplo. Existem os usuários da Apple e PC, e as pessoas da Apple se enxergam de uma maneira completamente diferente. A quantidade de excitação que a marca gera e e como as pessoas se identificam com Macs está totalmente fora de proporção com o próprio produto. Isso é gerado pela publicidade e por um marketing muito inteligente. Quando você abre uma caixa de iPhone, por exemplo, você gasta cerca de 7 segundos para colocar o telefone em funcionamento, o que aumenta a expectativa. Eles constroem um monte de truques desse tipo para fazer com que tudo tenha uma aparência especial”.
A mente interpreta o mundo de uma forma que apóia as nossas crenças existentes
Curiosamente, mesmo que não exista uma diferença objetiva entre dois produtos rivais, as pessoas irão inventar uma que se encaixe em sua percepção de uma marca. Há um famoso estudo que realizou um “tese cego” com os sabores da Coca e da Pepsi. No teste cego, as pessoas preferiram o sabor da Pepsi, mas quando elas eram informadas em qual copo estava a Coca, elas quase universalmente preferiram a preferido Coca-Cola. Essa preferência não era apenas evidente pela fala objetiva dos pesquisados. Quando os níveis de excitação do cérebro das pessoas foram analisados, era possível perceber que o cérebro efetivamente registrou duas preferências diferentes. Ou seja, a nossa opinião sobre uma marca pode realmente interferir na resposta do nosso cérebro a algum estímulo.
Para fanboys, isso significa inventar razões pelas quais a sua coisa é melhor do que a outra coisa, e depois sair discutindo nos comentários dos sites. Isso também explica a incapacidade desses caras de lidar com críticas ao seu console preferido, por exemplo. E não são apenas os fanboys que fazem isso. Somos todos nós. Em um estudo fascinante nos Estados Unidos, pessoas de direita e de esquerda no espectro político receberam dados falsos que provavam a eficácia ou a ineficácia do controle de armas pelo governo. As pessoas interpretavam os dados de acordo com suas crenças pré-existentes. Esse é um comportamento muito humano, e tem muito pouco a ver com inteligência.
“Eu nunca pensei que inteligência tem relação com ser esperto”, diz o Dr. Lewis. “Você tem uma ideia fixa sobre as coisas, quase uma ilusão, e pode parecer real, e você procura pessoas que irão apoiar o seu ponto de vista. E não importa o quão estranha é a sua ideia, há pessoas que vão compartilhá-la. E, graças à internet, ficou muito mais fácil encontrar essas pessoas”, disse.
Tribalismo é uma força poderosa na mente humana
A mente humana usa uma série de regras para lidar com todos os tipos de cálculos que deve fazer ao longo do dia. Esse conjunto de regras é chamado de heurística e ele dita como nós geralmente nos comportamos. Um traço de comportamento poderoso é o tribalismo: o comportamento em grupo e fora do grupo. De forma natural, nós construímos muito da nossa identidade com base nas coisas e nas pessoas que estão ao redor. Na era da internet, especialmente para os mais jovens, essa identidade pode surgir nas marcas, reforçadas pela comunidade online. “Eu sou uma pessoa Xbox”. Isso fornece um sentimento de pertencimento.
“As tribos dos games são parecidas com as tribos da Apple x PC, ou Coca x Pepsi”, afirma Dr. Lewis. “Muitas vezes as empresas vão criar este tipo de rivalidade. Em outras, ela é provocada pela nossa história evolutiva. Nós gostamos de pertencer a tribos, nós gostamos de pertencer a grupos, e no entanto as pessoas muito jovens podem sentir que são únicas e individuais. Mas nós gostamos do apoio e da afirmação positiva dos outros”, diz o pesquisador.
Não é muito diferente de torcer para um time de futebol. Mas, para ser honesta, eu também fico bem confusa com a profunda ligação emocional das pessoas com um grupo de homens que chutam uma bola aos fins de semana. Há, como esperado, uma explicação científica para esse tipo de relação em nosso cérebro.
A química do cérebro de uma pessoa com uma forte ligação a um produto é como a de alguém apaixonado
Qualquer pessoa que já tenha se apaixonado pode confirmar que a parte racional do cérebro fica de lado por um tempo enquanto você está ocupado em uma montanha-russa insana de emoções positivas. A pessoa amada não tem falhas, e qualquer um que vê todas as falhas nela deve ser cego ou estúpido. É apenas a forma como o cérebro funciona. Faz todo o sentido, em termos evolutivos, que a emoção do amor geralmente dure cerca de um ano, ou o tempo suficiente para você ter produzido alguma prole. Depois disso, você não pode apenas contar com as reações químicas no cérebro.
É revelador descobrir que as substâncias químicas no cérebro de um fanboy são, surpreendentemente, muito similares às de uma pessoa apaixonada. “É como se apaixonar. O que acontece em seguida é que você recebe um tsunami de um neurotransmissor chamado dopamina no cérebro, o que lhe dá um enorme buzz” explica Dr. Lewis. “Isso também acontece com produtos e marcas. Na verdade, quando olhamos para este tipo de comportamento, descobrimos que as pessoas se tornam dependentes de produtos. É assim que as pessoas se tornam colecionadoras obsessivas de coisas como Barbies, por exemplo. Ver, sentir, saborear ou ter contato o produto vai ativar essa resposta do cérebro. É como ficar chapado”, completa.
Isso explica por que comprar uma coisa nova é tão excitante – é um tipo muito sensorial de prazer. Mas, assim como com as pessoas, fanboys “se apaixonar” por uma marca ou por um produto em um nível mais profundo, criando uma conexão maior ao longo dos anos.
É por isso que as pessoas ficam tão desproporcionalmente raivosas quando há alguma mudança mudança percebida nesse produto. “Nós não gostamos de mudanças em coisas que estamos familiarizados. Nós criamos uma relação de conforto com os produtos e desenvolvemos algo como uma amizade com esses produtos. Ou, nos casos extremos, um caso de amor”, diz Dr. Lewis.
Em resumo, então, se você criticar o console de um fanboy, é literalmente como se você tivesse chamado a namorada dele de feia ou insultado sua mãe. Por isso a agressividade.
A internet facilitou a agressividade das pessoas
Isso vai ser novidade para absolutamente ninguém, mas o anonimato e a falta de consequência que a internet oferece são as grandes razões pelas quais as atitudes dos fanboys podem transformar em uma coisa venenosa desagradável ao invés de uma paixão ardente. Estudos sugerem que os trolls são muitas vezes os psicopatas e sádicos reais, o que é definitivamente algo que deve ser estudado, mas pessoas normais entram com frequência em discussões horrendas online.
De qualquer forma, eu suspeito que a maioria dos fanboys realmente desagradáveis são também pessoas desagradáveis e, muito provavelmente, pessoas solitárias. “Quando você disser alguma coisa em voz alta e da maneira mais ofensiva possível, você vai ser notado”, diz Dr. Lewis. “Eu acho que um monte de gente quer ser notada. Essas pessoas querem se sobressair sobre as massas, sem se importar se suas opiniões ou se a maneira com que se expressam são ofensivas. Isso, na verdade, ode ser uma fonte de orgulho. Muitas vezes, pessoas que se sentem inadequadas em outros aspectos de suas vidas vão tentar criar uma persona de ‘grande homem’ online”, explica o professor.
Essa fase geralmente passa
Eu não vou ser a primeira pessoa a observar que os fanboys tendem a ser adolescentes ou até mais novos. Isso porque, com toda a certeza, as pessoas tendem a amadurecer e deixar esse comportamento de lado.
“Eles geralmente deixam isso de lado, assim como acontece com o nosso primeiro amor. Você pode se apaixonar loucamente aos 16 e, quando estiver no seu primeiro trabalho, nem vai lembrar porque aquela pessoa era tão especial”, diz Dr. Hodgson.
“Você tem que lembrar que o cérebro do jovem, do adolescente, ainda está em desenvolvimento, e o que está acontecendo é uma enorme quantidade de destruição ao redor dos neurônios. É como um jardineiro podando uma árvore. O cérebro tem de se poder para se adaptar ao ambiente em que se econtra. Até então, as pessoas estão muito mais propensas a assumir riscos, a agir com impulsão e desenvolver paixões acachapantes em relação a pessoas, produtos ou atividades”, diz.
Pela volta do fanboy de raíz
Não há nada de errado com a paixão. Também não há nada de errado com a preferência justificada que alguém pode ter em relação a alguma coisa. O agnosticismo é chato, na verdade. E as explicações psicológicas por trás do comportamento de um fanboy provam que há algo tipicamente humano nessa agressividade. Pode ser irracional, mas os humanos são irracionais.
Gostaria de saber se há uma maneira de vermos a volta dos fanboys sem os babacas. Apenas fãs novamente. Se ser fanboy é essencialmente humano, e se isso é especialmente presente em tecnologia e no mundo dos games, então nós nunca vamos erradicá-lo. Em vez disso, talvez, o desafio seja redefinir essa relação.
Texto Original de Kotaku
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